“Se você pode mudar a rua, você pode mudar o mundo.”

por | ago 9, 2016 | cidades, coluna, diversos, Mundo, Sem categoria, sociedade, urbanismo | 0 Comentários

“Se você pode mudar a rua, você pode mudar o mundo.”

Janette Sadik-Khan: a mulher que mudou a conversa a respeito das ruas.

Durante o seu período como secretária de transportes de Nova York, Janette Sadik-Khan promoveu criação de cerca de 650 quilômetros de novas ciclofaixas, ajudou a implementar o maior sistema de compartilhamento de bicicletas dos EUA, converteu 60 espaços esquecidos em lugares onde as pessoas pudessem se sentar e relaxar, e reaproveitou 800 mil m2 de asfalto para o uso de pedestres e bicicletas. Nada disso foi fácil, ela enfrentou a oposição, duras críticas e mesmo problemas legais ao longo do caminho.

Em seu novo livro: Streetfight: Manual para uma Revolução Urbana, escrito com o seu colega de longa data Seth Solomonow, Sadik-Khan conta a história de como ela fez isso acontecer, oferecendo um roteiro para tornar as cidades e bairros mais seguros, mais sustentáveis, e mais conectados. Mais: ela argumenta que isso pode ser feito sem gastar enormes somas de dinheiro. Ao enfatizar as soluções rápidas, fáceis de implementar, “faça-você-mesmo”, Sadik-Khan ressalta que ser ser inteligente e criativo é mais importante que ter acesso a uma bolada de orçamento.

Em recente entrevista, Sadik-Khan falou sobre as principais lições que aprendeu durante seu tempo no governo da cidade, bem como seus pensamentos sobre o futuro das cidades. Segue a entrevista, publicada originalmente no sensacional City Lab.

Na contracapa de seu livro, seu ex-chefe e prefeito de NY, Mike Bloomberg descreve-a como “a criança que Robert Moses e Jane Jacobs nunca teve.” Isso é interessante, porque geralmente os novos urbanistas associam seus projetos muito mais às ideias de Jane Jacobs, desprezando os trabalhos de Robert Moses. Diga-nos o que você aprendeu com Moses e Jacobs, e o que os urbanistas podem aproveitar de ambos.

Eu não sabia como interpretar esta frase quando a ouvi pela primeira vez. Mas eu comecei a ver isso como um elogio. Nossas cidades têm caído entre as fendas de Moses e Jacobs. Há muito mais para o planejamento urbano do que construir estradas, pontes e megaprojetos. Por outro lado, apenas dizer “não” para grandes ideias não é suficiente. É preciso haver uma agenda para os moradores da cidade dizerem “sim” à transformação das ruas. Mudar o desenvolvimento das cidades dos carros para as pessoas neste século, exigirá liderança e ação decisiva. Mas em vez de construir novas estradas e cruzamentos, precisamos recuperar nossas ruas e reconstruí-las na escala humana, focando em projetos com processo participativo, ao invés de sufocar a voz da comunidade.

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No livro, você escreve sobre o seu sonho inicial de se tornar uma advogada e trabalhar para a justiça social. Você escreve que aspirava a ser mais como Clarence Darrow do que Jane Jacobs. O que a levou mudar de área, e como o seu interesse em justiça social influenciou o seu trabalho de planejamento urbano e transportes?

As ruas são onde a vida e a história acontecem, o que coloca o transporte no centro cultural, social e político das cidades. Em meu primeiro emprego, no governo do então prefeito David Dinkins, eu falei com minha mãe que queria fazer algo que tocasse a vida das pessoas todos os dias. Ela fez uma pausa e disse que eu tinha duas opções: transporte ou saneamento. Ela estava brincando, mas ela estava certa. Mobilidade física está diretamente relacionada com a mobilidade social, e criar ruas que são seguras, caminháveis, e acessíveis para todos, não importa sua idade, renda ou capacidade física, é uma das mais importantes – e mais negligenciadas – responsabilidades de uma cidade.

Muitas pessoas ainda vêem a bicicleta como um incômodo nas cidades e a associam principalmente, à recreação. Você fez das bicicletas uma parte crucial da infra-estrutura de transporte de Nova York. O que outras cidades e prefeitos precisam saber sobre o papel de ciclismo e infra-estrutura cicloviária para sua cidade?

Andar de bicicleta é um modo de transporte. Andar é um modo de transporte. Os ônibus são um modo de transporte. Onde as bicicletas são percebidas como um incômodo, muitas vezes é apenas um sintoma de modelos de rua desatualizados, o que em última análise, é ruim para todos. Todos estes modos de transporte podem conviver bem juntos, se eles não forem obrigados a lutar por cada resto de rua ou avenida que sobrou após serem lotadas de carros. A recuperação do espaço das ruas para bicicletas, pedestres e ônibus não é uma mera comodidade, é uma infra-estrutura e investimento financeiro cujos efeitos são sentidos muito além da faixa de rodagem. Então, se você quiser melhores ruas para todos, você pode começar com a construção de uma ciclovia.

A maioria das pessoas tomam as ruas como um lugar concedido a elas. Você argumenta que as pessoas são uma parte importantíssima do “sistema operacional” de uma cidade e um fator-chave na geração de “riqueza social.” Conte-nos mais sobre isso.

Ruas são os quintais para os moradores da cidade, e a qualidade de uma rua e a variedade de seus usos estão diretamente relacionadas com a sua habitabilidade. Há algo fundamentalmente enobrecedor em um projeto de rua que eleva seu povo, especialmente os pedestres. Jane Jacobs explica isso melhor: calçadas vibrantes são a pequena mudança que estimula o crescimento da qualidade de vida das pessoas na cidade. Investir em ruas seguras, diversificadas e tranquilas é um investimento em comunidades, e ajuda a tornar bairros em lugares que valem a pena viver.

Você escreve que reviver a rede de transporte não-motorizado de Nova York era “absurdamente barato em comparação com os bilhões de dólares que as cidades americanas gastaram anualmente na construção de novas linhas de trem e metrô e a reforma ou substituição de antigas pontes, viadutos e estradas.” Isso parece contraditório para alguns. Como você chegou a esta conclusão? Como planejadores urbanos em outras cidades podem chegar a estas mesmas conclusões?

Ruas melhores para caminhar, andar de bicicleta e ônibus são algumas das mais rápidas, e ao mesmo tempo mais baratas, estratégias de transformação da cidade. Nos meus seis anos como secretária, investimos 6 bilhões de dólares apenas para manter nossa rede de ruas e avenidas em um estado de bom estado de conservação. Todas as praças e ciclovias que construímos custaram menos do que um por cento disso, e geraram 99 por cento das manchetes. As cidades devem investir em suas estradas, mas há muito que pode ser feito apenas com o preço de tinta, concreto, e materiais de sinalização que já estão os almoxarifados das prefeituras.

Os ônibus não são exatamente um tema atraente, mas você dedica um capítulo inteiro de seu livro explicando o porquê deles importarem para cidades bem-sucedidas e produtivas. Descreva o papel dos ônibus no planejamento urbano.

Quero fazer dos ônibus um tema atraente! Muitas pessoas pensam que a transformação do transporte, para ser levada a sério, deve ser em grande escala e cara. Claro que ainda devemos investir no transporte ferroviário e metrô, mas os ônibus podem melhorar o equilíbrio no transporte urbano em questão de meses, e não em anos – necessários para o estudo e construção de vias férreas. Lançamos uma rota de ônibus rápido por ano, por sete anos consecutivos em Nova York, em todos os cinco distritos e em uma fração do tempo e custo necessário para construir uma única estação de metrô. Em todo o mundo, 33 milhões de pessoas pegam BRTs em 200 cidades em todos os continentes. Vimos o futuro do transporte de massa urbano, e é um ônibus.

Logo no início do livro, você menciona a necessidade de “pedágio urbano” – essencialmente cobrar dos motoristas por dirigir em ruas e estradas. A administração do ex-prefeito Bloomberg nunca foi capaz de calcular esta tarifa de congestionamento. Como é que este revés inicial ajudou a moldar seus esforços posteriores? E como é importante em última análise, ter certeza de que os motoristas paguem a totalidade dos custos da utilização de estradas?

1325745-janette-sadik-khan-wants-new-yorkers-to-walk-this-way-rotatorAo tornar mais barato e mais conveniente dirigir carros para centros urbanos, com estacionamento abundante e barato, muitas cidades americanas transformaram seus centros urbanos em lugares quase impossíveis de chegar sem um automóvel. Ao cobrar dos motoristas o custo real da sua viagem e investir a receita em mais e melhores opções de transporte, as cidades podem virar o jogo e proporcionar melhores opções para se locomover. A tarifação do congestionamento pode ter fracassado politicamente, mas o debate criou uma nova discussão sobre a nossa rede de transporte que tem crescido dia a dia. Continuo convencida de que não é uma questão de se, mas sim quando a tarifação do congestionamento será feita em Nova York.

Você dedica um capítulo inteiro à “medição da rua”, ou seja, obter dados econômicos para explicar como o transporte da cidade está operando. Você argumenta que “se você não está medindo, então você não está gerenciando.” Por quê exatamente?

Se o transporte fosse qualquer outro campo de estudo, 33.000 mortes anuais seria uma crise nacional de saúde pública e as pessoas perderiam seus empregos. Mas os dados a respeito de transporte evoluíram tão mal, que existem poucos índices determinar o sucesso ou fracasso de uma rua além de saber quantos acidentes de carros existem em uma rua em particular. No entanto, há muito mais a saber do que a quantidade de carros que uma rua pode suportar, por saber as oportunidades económicas que ela oferece, e que escolhas as pessoas têm para chegar até lá. Aprender a medir a rua corretamente é uma nova fronteira na sua concepção e função.

Os dados também são fundamentais para boas escolhas de políticas públicas. Ouvimos preocupações sinceras afirmando que mais praças e ciclovias poderiam causar engarrafamento, perigo de tráfego, e fechar lojas. Mas dados mostraram que as mudanças feitas tornaram as ruas mais seguras e a análise do movimento e vendas das lojas aumentaram drasticamente depois que os projetos foram instalados. Dados de GPS a partir de milhões de viagens de táxi confirmaram que o tráfego após as intervenções de rua melhorou também. Os dados podem ajudar a levar o assunto transporte da mera opinião, para a análise de novos modelos de rua determinados pela eficácia, em vez da influência de círculos eleitorais que se opõem a eles.

O músico David Byrne, um ciclista ávido, elogia suas realizações ao tornar Nova York melhor e mais segura para os ciclistas e moradores. Mas ele também tem sido franco sobre a cidade tornar-se muito cara, referindo-se especificamente a seus altos custos de habitação, compatíveis apenas com artistas, músicos e outros criativos como ele. Algumas pessoas têm argumentado que os seus esforços e os da administração Bloomberg, contribuíram para esses preços da habitação mais elevados e a atual “gentrificação” em curso da cidade. Como você reage a isso?

Acho que é um ponto importante é que a cidade e suas ruas pertencem a todos. David Byrne foi um defensor enorme e amigo durante todo o meu tempo na secretaria e até mesmo se juntou a mim para anunciar um programa para financiar a criação e manutenção do espaço público em bairros com poucos recursos, em todos os cinco distritos, de acordo com seu contexto, e caráter. Quando você cria uma rua para os seus utilizadores mais vulneráveis, todos se beneficiam, e demos a todas comunidades as chaves para que eles pudessem criar e desfrutar as mesmas ruas de de primeira linha como em qualquer bairro.

Em sua conclusão do livro, você cita Frank Sinatra ao escrever sobre New York City, dizendo: “If you can remake it here, you can remake it anywhere.” O que está fazendo agora em sua nova função com a Bloomberg Associates, trabalhando com cidades ao redor do mundo? Como poderiam cidades menores, com menos recursos do que Nova Iorque ter sucesso em tornar-se mais seguro, menos congestionada e mais sustentável?

Na Cidade do México, eu trabalhei com o prefeito Mancera para redesenhar ruas notoriamente hostis para caminhar. Temos trabalhado com o prefeito de Los Angeles Eric Garcetti e seu gerente transporte Seleta Reynolds para criar grandes ruas para caminhadas e ciclismo. Estou impressionada pela forma como estas e outras cidades enfrentam muitos dos mesmos desafios que enfrentamos. Quando estávamos fazendo uma série de mudanças em Nova York, as pessoas nos disseram que era impossível, que isso nunca iria funcionar, que estávamos Nova York, e não Amesterdã ou Copenhague. Nós lutamos por cada projeto, cada metro quadrado de espaço na rua. Agora, quando viajamos para outras cidades, ouvimos as pessoas dizerem que a rua não pode mudar porque, “Nós não somos New York.” É uma “briga de rua” em todos os lugares, mas acho que a vitória desta luta em Nova York tem implicações em todos os lugares e mostra como, se você pode mudar a rua, você pode mudar o mundo.

 

Transcrito da entrevista dada ao site The City Lab, em 10 de Março de 2016. Veja o original neste link.

 

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