Sobre a tranquilidade da alma e a paz que excede todo o pensamento

por | nov 14, 2019 | desenvolvimento pessoal | 0 Comentários

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Sobre a tranquilidade da alma e a paz que excede todo o pensamento

Estar em um shopping center, em um sábado à tarde não está — nem de longe — na minha lista de atividades preferidas. Mas eu estava com minha família e tudo estava na mais perfeita paz e tranquilidade.

Pra completar o ambiente, conseguia ouvi inclusive uma coisa que amo, lá no fundo: uma bandinha, composta por 3 integrantes. Um na caixa, um no sax, outro no trombone. Qualquer música tocada por um trio como esses parece jazz das antigas. 10 segundos depois, batendo o pé, estalando os dedos,identifiquei a música: Jingle Bells. Como assim? Enfim, caiu a ficha. É oficial, estamos no fim do ano da graça de 2019.

A partir daí, notei que os sintomas estavam por toda a parte. Afinal, haviam panetones nas gôndolas, decoração ora aqui, ora ali. Se vacilar, daqui a pouco já soltam a famigerada vinheta de final de ano da Globo: “hoje é um novo dia, de um novo tempo…”

Preciso saber: e aí, você já respira esse ar de fim de ano? O que rolou ao cair essa ficha pra você? Sorrisos e satisfação? Ou ansiedade e batedeira? Hoje o papo é sobre a ansiedade de fim de ano e como lidar com problemas de maneira inteligente. Em qualquer época.

Fim de ano, fim do mundo?

Não é nem um pouco raro ficarmos mais ansiosos nessa época do ano. Para alguns que comemoram, apenas a lembrança que deve começar a se organizar para os festejos de fim de ano já dispara a ansiedade. E isso pode acontecer em vários planos, já que fim de ano tem a ver também com o medo ou insegurança em conseguir cumprir metas exigidas no trabalho, inclusive em terminar tudo que precisa antes das festas e das férias. Já pro coração, pode surgir uma certa frustração ou carência em relação ao que aconteceu durante o ano. Isso sem falar na dimensão existencial — quais objetivos de vida você não conseguiu alcançar, ou não pôde cumprir?

Do nada, certas frases surgem em nossa cabeça: “É o primeiro final de ano sem o meu pai”, ou “Mais um ano sem conseguir comprar minha casa” e até o famoso “Meu Deus, olha meu corpo, está horrível”. O sentimento mais comum após esses pensamentos é o de frustração e impotência. Provavelmente, toda tranquilidade e paz que queria ter no fim de ano, curtindo o descanso, família e amigos, acaba escorrendo pelos dedos, com emoções como essas aflorando e fugindo de nosso controle.

Mas espera lá um pouquinho: será que é tudo tão sem controle assim mesmo? Será que não podemos ter tranquilidade justo no período em que temos um tempo só para nós, nossa família e amigos? E ainda, será que dá pra conquistar essa paz e tranquilidade pro resto do ano?

Dá pra ter a “paz de Deus” nesse fim de ano?

Uma das minhas partes preferidas da Bíblia tem tudo a ver com esse assunto. Na realidade, os conselhos do apóstolo Paulo aplicam-se muito bem a qualquer época do ano, momento ou circunstância da vida:

“Não fiquem ansiosos por causa de coisa alguma, mas em tudo, por orações e súplicas, junto com agradecimentos, tornem os seus pedidos conhecidos a Deus; e a paz de Deus, que está além de toda compreensão, guardará o seu coração e a sua mente por meio de Cristo Jesus.”

Paulo, aos Filipenses

Eu sei, é maravilhoso. Mas mais maravilhoso ainda é o significado dessas palavras. Afinal de contas, o que é essa tal “paz de Deus”, e como como é possível encontrá-la?

Sendo objetivo, e claro, olhando para todo o contexto da Bíblia, essa paz é a calma e tranqüilidade que podemos sentir mesmo no meio das situações mais difíceis. Portanto, a ansiedade, angústia e depressão não afetam quem tem a paz de Deus. Ok, mas qual a lógica de Paulo?

Para Paulo, e vários outros escritores e pensadores, não temos nenhum motivo para ser vencidos pela ansiedade, porque sabemos que nada pode acontecer que esteja fora da providência divina. Ou seja, Deus (para mim e muitos), a Fortuna (para os gregos) ou qualquer símbolo que queira adotar para enxergar a existência de algo maior que nós — neles residem as decisões que fogem de nosso controle e afetam nossa vida.

Como alcançar paz e tranquilidade

Tudo lindo, mas Paulo também foi específico em COMO podemos alcançar essa paz: por meio da oração, profunda, sincera, deixando Deus conhecer os anseios de nossa alma e confiando em sua proteção. “Ah, mas eu orei, de joelhos, até chorei. Foi ótimo, mas não resolveu meus problemas”. É bom lembrar que essa “paz de Deus” é também “além de toda compreensão”. Isso traz embutido um significado extraordinário — o da compreensão que devemos confiar de maneira plena que as coisas serão resolvidas do jeito, e no tempo de Deus. Não no nosso.

Ou seja, após o pedido, devemos permanecer tranqüilos, esperando pacientemente para ver como se resolverá o problema. Ou se na realidade, já não está tudo resolvido. Sim, os que agem dessa forma têm uma tranqüilidade que não é possuída nem entendida pelos homens em geral.

Para o infinito e além!

Há ainda mais um significado nas palavras de Paulo. Quando admitimos que não temos o controle e precisamos confiar de todo coração em algo superior para nos ajudar, acabamos também enxergando algo óbvio. O universo não gira ao nosso redor, e temos pouco ou nenhum controle sobre fatores externos.

Isso é bem libertador não? Por sinal, existem alguns exercícios (além da já citada oração e confiança plena em Deus), bem interessantes para ter essa consciência de que não somos nada, alcançando tranquilidade e paz.

Marco Aurélio, nas Meditações, registrou alguns desses exercícios, que na realidade, se resume a algo simples: usar a imaginação e enxergar as coisas a partir de uma perspectiva maior. Na prática, a única coisa a fazer é visualizar tudo o que existe colocando-se para fora do tempo e do espaço por alguns minutos. O objetivo é enxergar como nossos problemas, ambições, desejos e medos são pequenos em comparação com o universo e o tempo. Vale a pena entender melhor o ponto, nas palavras do imperador-filósofo:

“Enfim, quando se está falando da humanidade, veja as coisas terrestres como se as estivesse observando a partir de um ponto de grande altitude — rebanhos, exércitos, trabalhos do campo, casamentos, divórcios, nascimentos, mortes, escândalos dos tribunais, regiões desertas, povos estrangeiros variados, festas, lamentações, mercados; toda essa mistura do mundo e a ordem que nasce dos contrários”.

Marco Aurélio, em Meditações

Um dos maiores estudiosos de Marco Aurélio, Pierre Hadot, em seu “A cidadela interior”, explica os benefícios de um exercício como esse:

“Esse esforço por olhar do alto permite, portanto, a contemplação do panorama total da realidade humana sob todos os seus aspectos sociais, geográficos, sentimentais, e a sua recolocação na imensidão cósmica e no formiguejar anônimo da espécie humana sobre a Terra. Vistas a partir da perspectiva da Natureza universal, as coisas que não dependem de nós, as coisas a que os estóicos chamam indiferentes — a saúde, a glória, a riqueza, a morte — são restituídas a suas proporções verdadeiras”.

Pierre Hadot, em A cidadela interior

Creio que não preciso acrescentar mais nada.

Mas o que fazer com os problemas que tiram minha tranquilidade?

Vamos ser práticos. Já vimos que:

  • Não temos controle sobre fatores externos, e
  • Nossos problemas e ansiedades são ínfimos em relação ao universo,

Portanto, devo apenas ficar numa boa, assistindo “o circo pegar fogo”? Muito pelo contrário!

Precisamos simplesmente agir com a razão.

Primeiro, é bom lembrar. Não existem problemas. O que existem são obstáculos. Problemas são criados por nossa mente, que transformam os fatos, ou obstáculos, em “problemas”.

Segundo, na mesma hora que o obstáculo aparecer, pergunte-se:

  • Posso encontrar uma solução imediata para o obstáculo? Se sim, excelente! Faça o máximo que estiver ao seu alcance, com todo seu vigor.

Em caso negativo, continue os questionamentos:

  • Posso parar de me preocupar com o que aconteceu e deixar para lá?
  • Posso rir do que rolou?
  • Posso me perguntar se isso realmente importará em um ano ou cinco anos?

Essas perguntas servem para entendermos o tamanho ou nível de importância do obstáculo em nossa vida. Após elas, provavelmente você já terá eliminado ou passado por cima de qualquer coisa. Mas e se “a coisa” ainda estiver ali, te incomodando?

Não acredito, justo na minha vez!

Mudar a perspectiva e usar a imaginação, novamente, podem ajudar. Imagine que você é o convidado de um belo banquete. Pratos deliciosos aparecem, por todos os lados, todos estão muito felizes, bem alimentados e satisfeitos. Mas de repente um dos pratos, bem na hora que você vai se servir, acaba.

E aí, qual vai ser sua reação? Vai ficar com raiva, achar uma grande injustiça ter acabado justo na sua vez? Veja o outro lado: você foi convidado, toda a comida ali era um presente de seu anfitrião e você realmente nem estava mais com fome. Será que precisa criar um problema com relação a isso? Ou prefere continuar curtindo o banquete e tudo mais?

É… reduzir o zoom, enxergar a floresta e não a árvore, ver o copo meio cheio. Chame do jeito que quiser — sempre dá pra ver as coisas de outra forma. E sim, não precisamos de problemas. Transformar um obstáculo em problema é uma decisão. Basta não tomá-la.

Conquistar tranquilidade e paz dependem só de você, dá pra acreditar?

Definitivamente, não somos imunes aos problemas e ansiedades da vida. Mas por incrível que pareça, está em nossas mãos tomar decisões conscientes para sabermos lidar com eles, em qualquer época do ano.

Por sinal, o final do ano é uma excelente oportunidade para reforçar nossas defesas e perceber que podemos fazer nossa vida melhor, assumindo nossas responsabilidades. E ao mesmo tempo, poderemos começar a criar uma realidade diferente, usando nossa percepção — a forma como enxergamos o mundo — a nosso favor.

Considere as coisas ruins como irrelevantes. Encare cada obstáculo como uma oportunidade de crescimento. Viva intensamente o presente. Coloque o foco no que te faz prosperar e crescer, não naquilo que atravessa seu caminho.

E sabe da maior? É verão, e como Gershwin diz na magnífica Summertime: “uma dessas manhãs, você vai acordar cantando, e ao levantar as asas, irá para o céu, por que nada te perturba”.

“Summertime,

And the livin’ is easy

Fish are jumpin’

And the cotton is high

Your daddy’s rich

And your mamma’s good lookin’

So hush little baby

Don’t you cry

One of these mornings

You’re going to rise up singing

Then you’ll spread your wings

And you’ll take to the sky

But till that morning

There’s a’nothing can harm you

With daddy and mamma standing by”

George Gershwin, em Summertime

E aí, bora voar?