Ultimamente, tenho pensado sobre como as nossas cidades moldam nossos hábitos e nossas vidas. Por que afinal de contas, determinados lugares atraem pessoas e outros as expulsam?
Como diz Jan Gehl, “primeiro nós moldamos as cidades – então, elas nos moldam”. Partindo de uma questão simples: quando priorizamos construções com estacionamentos obrigatórios, começamos a incentivar o quê? Lugares onde todo mundo dirige. Por outro lado, quando construímos lugares onde é agradável caminhar, quem saírá ganhando?
Ou seja: a prioridade define quem utilizará o lugar. Quer fazer um teste? Dê uma boa olhada na rua onde mora, trabalha ou estuda, e pergunte-se:
- As ruas são estreitas o suficiente, para que os motoristas diminuam a velocidade e as pessoas sintam-se confortáveis a pé, e não só nas calçadas?
- Os edifícios são construídos até a calçada, onde os pedestres, passageiros e motoristas podem ver as vitrines, sem carros na frente das lojas atrapalhando?
- É a paisagem interessante, oferecendo uma diversidade de opções e oportunidades para explorar?
- Os edifícios têm janelas o suficiente para que as pessoas do lado de fora possam ver as de dentro e vice-versa?
- Sinto-me convidado claramente para caminhar ou até mesmo permanecer naquele lugar?
Estas são apenas algumas das variáveis que fazem os lugares convidativos às pessoas. E na maioria das vezes, paramos de construí-los cerca de 50 anos atrás. Não porque as pessoas de repente não queriam mais andar a pé, de bicicleta ou usar o transporte público. Nós basicamente banimos uma cidade feita pras pessoas, quando:
- Fizemos leis de zoneamento separando usos comerciais dos residenciais.
- Projetamos as cidades para que o uso de carros seja obrigatório para fazer qualquer coisa.
- Criamos padrões de engenharia de transporte que transformaram nossas ruas em pistas de alta velocidade.
Pagamos por esses erros com nossos corpos, transformando seres humanos ativos em simples motoristas dependentes de máquinas para seu movimento.
Já nossos bairros, também pagam um preço elevado, ficando cada vez mais distantes, isolados e dependentes da ”cidade”, ou seja, aonde trabalhamos, estudamos, consumimos e nos divertimos.
Veja bem: isso tudo não significa que as pessoas devam parar de usar carros. Todos sabemos das condições por vezes precárias de outros meios de transporte, principalmente para longas distâncias. O ponto é: quando você anda a pé ou de bicicleta, você experimenta a sua cidade de uma forma muito mais íntima. Ao invés dela ser um apenas um “amigo” de rede social, ela começa a fazer parte no nosso círculo de amizades reais, íntimas.
Geralmente, quando falamos de comunidades saudáveis, quase sempre olhamos a saúde da população, ou até mesmo sua longevidade. Mas há mais do que isso. E não se tratam apenas de números, estatísticas. Trata-se de engajar-se em sua comunidade e fazer parte do mundo ao seu redor. E toda vez que andamos a pé, começamos a entrar neste mundo de maneira muito mais profunda.
Lembra-se da última vez que andou a pé uma pequena distância? Pode ter sido há um minuto, ou há um dia. Ou até mesmo agora, enquanto lê este artigo (cuidado com o poste!). Pessoas dizem “Oi”. Pedem orientações. Falam sobre o clima. Olham pra você. Dependendo, até mesmo sorriem.
Com o passar do tempo, você começa a reconhecer essas pessoas: o porteiro do prédio, a vendedora da loja, o vendedor de churrasquinho, aquela criança que vive brincando no mesmo degrau de sua casa, toda tarde, quando sai da escola.
E lógico, começa a acontecer a mágica: como as pessoas começam a reconhecê-lo, os sorrisos ficam maiores, todos vão ficando mais amigáveis. Você começa a sentir aos poucos que vivemos no mesmo lugar, e de fato, estamos todos juntos nesta “coisa”, chamada cidade.
Cada vez que isso acontece, nosso dia pode melhorar. Toda vez que isso acontece, com certeza acabamos nos sentindo parte de algo maior e melhor do que nós mesmos. E, talvez essa possa ser uma definição de algo que às vezes pareça tão distante, mas tão necessária: uma comunidade viva, saudável, segura, sustentável e vibrante.