Minhas memórias a respeito do Chacrinha são bem pontuais. Mas uma delas é o bordão do título desse artigo. Como era um programa de calouros, tinha de tudo, além de muitos prêmios: troféu Abacaxi, se “ia pro trono” ou não, e assim por diante.
Para ser um dos escolhidos pela produção para ser um calouro, era preciso ser muito bom ou, melhor ainda, muito ruim. Ganhava quem conseguia agradar uma bancada formada por jurados do naipe de Aracy de Almeida, Pedro de Lara, Wilza Carla e Elke Maravilha. Se escolhido, o calouro ouvia da plateia ensandecida o coro: “Ele merece, ele merece, ele merece!”.
Vai pro trono ou não vai?
Ali, escancarada na minha frente em rede nacional, estava a tal da meritocracia. Pelo menos pra uma criança fazia sentido: o sujeito agradou quem precisava e ganhou o “prêmio”. Quais seriam os critérios daquela bancada? Bem, acho que isso não mudou até hoje: a audiência e a plateia. Se fez chorar ou gargalhar, funciona. Não importava o quanto a pessoa tivesse se esforçado antes, se era rica, pobre, inteligente, burra. O resultado era o importante, não a vida inteira da pessoa.
Olhando dessa maneira, nua e crua, dá pra perceber o quanto a meritocracia pode estar sendo mal interpretada em nossos dias. E isso dá o que pensar. Afinal, o quanto vale a pena correr atrás, dar o sangue e esforçar-se por algo?
Formação, inteligência, capacidade ou experiência contam?
Bem, o que consigo enxergar é que os critérios para ser bem-sucedido no Chacrinha podem ser aplicados em algumas carreiras, como por exemplo, nos cargos comissionados do funcionalismo público. Esse tipo de cargo é de livre-nomeação por políticos, ou seja:
- ser maior de 18 anos,
- ser brasileiro, e
- passar no exame psicotécnico.
Basta conseguir agradar os “jurados”. Um apelido dado a esses cargos é também o de “cargo de confiança”, porque depende exatamente da confiança depositada na pessoa, pelo político. Geralmente esses cargos são de alto escalão.
Conhecedor que sou do funcionalismo público, já vi cenas lamentáveis, mas que sob a ótica do júri do Chacrinha, faziam todo sentido. Amigos, familiares, amantes, apoiadores analfabetos funcionais de campanha… A fauna é diversa, mas uma coisa os une: fazem a diferença para quem os indicou. A formação, inteligência, capacidade ou experiência (critérios tradicionais quando se pensa em meritocracia) geralmente ficam em segundo, terceiro plano. Satisfaça as necessidades dos outros, e as suas serão satisfeitas. Isso é justo, afinal de contas?
Boa intenção e esforço são o que importam então?
Bem, não sei se te contaram, mas o mundo é injusto, bebê. Ter todas as boas intenções do mundo e ser esforçado não garantem a você um lugar ao sol. Nem no funcionalismo público, nem no mercado de trabalho em geral. Mas onde fica o tal do “mérito”? No dicionário, é claro:
“Mérito: s.m. Aquilo que faz com que uma pessoa seja digna de elogio, de recompensa; merecimento. Qualidade apreciável de uma coisa, de uma pessoa. O que caracteriza a ação de merecer honras ou castigos; merecimento: condenado pelos seus méritos; prêmio recebido pelos seus méritos.”
“O de cima sobe, o de baixo desce”
Vamos imaginar uma situação? Suponha que atingiu um status em que, ao seu modo de ver, de seus parentes mais próximos, e até de colegas, você tornou-se uma referência. “O cara”. “A mina”. Por puro mérito próprio. Lindo, não? Ou seja, naturalmente seu ego irá esperar a recompensa pelo mérito.
A recompensa que espera pode vir de diversas maneiras: elogios, indicações para cargos, ganhos adicionais. Afinal, você alcançou o status de uma elite diferenciada, que é digna de honra e aclamação. Você merece! Já os outros, não merecem: a preguiça, a desatenção, a falta de esforço pessoal, os deixou na mesma. E de repente… Você cai. E um “imerecedor” sobe. Por mais frustrante que seja, essa situação permite aprender uma lição absolutamente valiosa:
Não adianta todo o estudo, esforço e boa intenção, se você não criar valor a alguém.
Ou seja, a recompensa vem do valor que aquela pessoa consegue adicionar à vida dos demais. E quanto mais único, singular, for este valor, mais ela será recompensada. É justo? Não. Mas é a vida, a sociedade que vivemos. Nessa lógica se encaixam exemplos bizarros, como um jogador de futebol de nível mundial ganhar em um dia mais do que o salário da vida inteira de um professor.
Mas como suportar uma situação como essa, que pode inclusive já ter passado? Criando valor, obviamente.
Para quem você precisa criar valor?
Podemos encarar a meritocracia como um estímulo a uma competição da pessoa consigo mesma. E aí entramos no campo que interessa, o do desenvolvimento pessoal. Ser o melhor que se pode ser, com os recursos que tem, mirando o aperfeiçoamento constante. O valor disso poderá ser inestimável, desde que esteja em um ambiente que concorda com seus princípios e claro, valores.
Ou seja: do que vale a pena ser honesto, capaz e competente, se está em um trabalho que valoriza a corrupção, hipocrisia e mentira? Se estiver em uma organização, ou cercado de pessoas com valores totalmente diferentes dos seus, não tenha dúvidas – caia fora ou permaneça, desde que sem expectativa nenhuma. Todo seu esforço e boa intenção não serão em nada valorizados, porque não oferece a eles o que precisam ou valorizam.
Quando você encontrar o caminho para entregar algo que é valorizado pelos que o rodeiam (inclusive com as amizades), algo único e singular, provavelmente sua preocupação com o mérito acabará. As recompensas serão tão grandes e abundantes, quanto seu prazer em criar valor, já que tudo terá um significado. A conta será simples: você receberá aquilo que entregar. E todos irão ganhar.